sexta-feira, 17 de maio de 2013

Rotina

Minhas tardes eram todas iguais. Mal eu punha os pés na sala, já era recebida por aquele “bom dia!” super empolgado, aquele “tudo bem?” respondido no automático e aquele abraço apertado. Usualmente morrendo de sono, ia arrastando os pés para qualquer canto onde houvesse uma cadeira decente para chamar de minha.  Havia uma espécie de competição de arremesso de bolsas: ganhava quem primeiro pusesse a sua no lugar pretendido. A isso se seguia a competição de quem tem mais material para espalhar em volta e guardar o lugar dos amigos. Sempre igual.
Depois de garantido o lugar, migrava para a região onde o grupo estivesse aglomerado ou ia conversar com alguém isolado, dependendo do meu estado de espírito. Falávamos sobre os episódios das séries da semana. Trocávamos ideias sobre bons livros, bons filmes e boas músicas. Tentávamos obrigar os outros a lerem ou assistirem o que gostávamos, porque queríamos ter com quem comentar. Tínhamos opiniões diferentes sobre tudo. Sempre nos envolvíamos em discussões filosóficas, conversas inteligentes, conversas idiotas e brigas, muitas brigas, quase sempre desnecessárias. Às vezes tudo isso ao mesmo tempo, na mesma rodinha de conversa. Sempre aos gritos. Sempre terminando em piadas que seriam repetidas à exaustão pelos próximos anos independente da qualidade. Sempre igual.
Quando o professor se atrasava, ficávamos contando os segundos para podermos considerá-lo ausente e então fugíamos para o shopping, onde todo mundo emprestava dinheiro para todo mundo comprar comida, e eu muitas vezes gastava mais do que deveria. Nunca deixávamos de passar na livraria, caçando relíquias e comentando sobre as coisas que queríamos comprar. Nos espremíamos em volta das mesas redondas da praça de alimentação e passávamos horas falando sobre quase nada de útil. Sempre igual.
Ficávamos andando sem rumo nos intervalos, e às vezes íamos comprar chocolate só para ter o que fazer. Depois sentávamos em um cantinho aleatório e conversávamos sobre qualquer coisa todo o resto do tempo. Discutíamos muito, ríamos muito, falávamos de tudo e trocávamos muitas confidências. Sempre. 
Reuníamo-nos para discutir os trabalhos e tínhamos que nos esforçar para manter o foco. Eu levava broncas por ficar me afligindo, e distribuía broncas nos outros por não ficarem. Discutíamos incessantemente, pedíamos a opinião de todo mundo, perguntávamos para quem já tinha feito, e dificilmente chegávamos a um acordo que deixasse a todos contentes. Sempre.
Sempre havia com quem tirar dúvidas nos momentos de aflição, seja nas questões de física ou nas existenciais. Sempre havia com quem conversar sobre absolutamente qualquer coisa. Sempre havia alguém que entendia aquela piada bastante específica. Sempre.
E outra coisa que sempre fazíamos era reclamar. Reclamávamos da rotina. Reclamávamos dos professores. Reclamávamos dos trabalhos. Reclamávamos das pessoas. Reclamávamos da universidade. Reclamávamos. Dissemos um milhão de vezes que não víamos a hora de acabar.
Mas é fácil reclamar quando se tem tudo isso todos os dias. Quando temos que passar todas as tardes da semana durante mais de quatro anos ao lado das mesmas pessoas, fazendo praticamente a mesma coisa, em um curso que não gostamos, é mais do que natural ligar no modo automático e deixar de dar valor mesmo a parte boa daquilo que se vive diariamente.
O curso acabou, mas continuo vivendo uma rotina maluca e infeliz. A principal diferença entre a de agora e a de antes é que não tenho mais aquele grupo de pessoas com quem dividi-la. Posso ver, finalmente, que esses mais de quatro anos da minha vida presa na mesmice infinita não foram uma completa perda de tempo por causa das pessoas com quem os compartilhei.
Nunca gostei de finais, mas nesse caso, era para ser diferente. Mal podia esperar para me formar desde antes de chegar ao meio do curso. Minha aversão a encerramentos, no entanto, voltou com força total agora que atingi o objetivo. Me lembrei de que, todo fim, por mais esperado que seja, tem seu lado negativo. 
Esse lado negativo chama-se “Saudade”.