Inalcançável, após o Mar infinito, encontrava-se
aquela linha mágica em que o céu se une a Terra, obscurecendo todas as questões
mais profundas da humanidade.
Na outra extremidade do Oceano,
estavam os olhos do menino: dois buracos negros brilhantes e curiosos, expressões
de uma alma inquieta. Contemplavam a linha mágica com completo fascínio,
sentindo que toda a sua vida finalmente faria sentido se apenas pudessem alcança-la.
O menino não sabia que era impossível. Sabia, é claro, que não se podia chegar
de navio, pois se correria o risco de cair infinitamente nas cataratas do fim
do mundo. O jeito, ele matutava, era voar.
Quanto mais pensava nisso, mais
desesperançado ficava, pois como poderia voar? E quanto mais desesperançado se
sentia, mais tentador o lugar parecia. Tentou escapar do transe fechando os
olhos. Encheu os pulmões com maresia, sentiu respingos salgados atingirem suas
bochechas e deixou seu corpo relaxar. Quando estava mais tranquilo, abriu de
novo os olhos e foi pego de surpresa pela força magnética do horizonte. Essa
força fê-lo inclinar-se para frente de forma involuntária, e como estivera empoleirado
em um promontório, caiu. Antes mesmo de perceber que estava no ar, viu se
pairando sem ter nada abaixo de seus pés, como se não existisse gravidade.
Entrou em pânico e começou a agitar os braços desesperado, dando uma ré e
despencando dolorosamente no promontório. Tudo isso em um décimo de segundo.
Com o seu sistema inundado de adrenalina, ele tentava entender o que acontecera. Em sua mente infantil,
não parecia provável que tivesse sido sua imaginação. Voltou a borda do promontório
e olhou para baixo. Sentiu vertigem pensando na queda. Mas foi só fitar novamente o horizonte para o coração saltar cheio de esperança e um sorriso chegar aos seus olhos. Agora
sabia que era capaz.
Assim, deixou-se cair novamente,
tremendo de medo dos pés a cabeça, mas sem nunca tirar os olhos do além-mar.
Aquela foi a força que lhe permitiu ficar no ar pelos primeiros instantes. No
começo, agitava os braços de forma frenética e desesperada, sentindo-se cada
vez mais pesado conforme se afastava da Terra. Nos primeiros minutos, foi aterrorizante
e muito cansativo. Mas depois começou a pegar o jeito. Balançava os braços mais
devagar, em um movimento rítmico. Logo, o vento deixou de ser seu inimigo e se
tornou sua principal ferramenta. Seus braços transformaram-se em asas e todo o
seu corpo ganhou penas exuberantes. Ele não tinha mais mãos e pés, mas não
precisava. Agora, cheio de confiança, já conseguia dar cambalhotas e sentia-se
capaz de olhar para baixo.
Não existiam fronteiras naquele
mundo, nem propriedades, nem Estados, nem leis e nem guerras. Os outros
pássaros a sua volta cantavam felizes, fazendo algazarra. Ele aprendeu a cantar
também. Sentia-se feliz como um humano não era capaz de ser. A paisagem em volta
de si era surreal. O mar estendia-se por toda a vida, e o Sol fazia as águas
cintilantes se tornarem um verdadeiro espetáculo. Atrás, ficara todo o seu
medo, e a frente estava o horizonte, indefinidamente inalcançável.