quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A Luz dos Olhos Dela

“Nós nos conhecemos no ponto de ônibus. Eu a via todos os dias de manhã. Ela estava sempre com os fones de ouvido, olhando para o além. Seus olhos eram muito interessantes, redondinhos, de uma cor indefinida entre verde e azul. Às vezes pareciam verdes e brilhantes, às vezes azuis e profundos. De qualquer forma eram adoráveis. Até insuportavelmente adoráveis. Eu quase poderia comê-los...”
- Comê-los?
- É. E ela era tão bonita. Quer dizer, quando estava lá fitando o vazio não parecia grande coisa, mas às vezes ela dizia “bom dia” com um sorriso... quando ela sorria, ficava completamente estonteante...
- Desculpe, mas você disse algo sobre vontade de comer os olhos?
Ele pareceu atordoado, como se acabasse de acordar de um devaneio.
- O quê?
O doutor se inclinou para frente, franzindo o cenho.
- Você comeria os olhos dela?
O paciente, confuso, respondeu com uma careta.
- Claro que não.
- Como você está encarando o seu desaparecimento?
Agora o paciente pareceu genuinamente perdido.
- Desaparecimento de quem?
-
Ao chegar em casa, a primeira coisa que ele fez foi constatar que seu par preferido de globos oculares ainda estava lá, bem conservado. Aliviado, gastou um tempo admirando-os e depois foi dormir alegre e sem preocupações.

domingo, 2 de outubro de 2011

(Des)encontro

Esses dias achei por aqui a música que um amigo meu fez sobre o texto abaixo, postado pela primeira vez há uns dois anos no antigo blog. Isso tudo me fez lembrar do porque eu gostava tanto desse texto, então resolvi postar de novo, sem nenhuma alteração.

Ele fazia aquela viagem todos os dias. Sempre pegava o mesmo ônibus, para o mesmo lugar, logo depois de comer sempre a mesma coisa no café. Gostava das coisas desse jeito, em seus devidos lugares, tudo como sempre foi - ninguém sabe o que se pode acontecer quando você pega outro ônibus, ou come biscoitos ao invés de torradas.Um dia, enquanto esperava o ônibus, uma mulher sentou-se ao seu lado. Ele nunca a tinha visto até então. No início não deu atenção, mas em um momento qualquer seus olhos se encontraram, e ele descobriu que não poderia sair dali sem saber quem era ela. Distraiu-se, pensando em uma maneira de puxar assunto, até que o ônibus chegou, ele entrou e foi embora, sentindo que deixara uma parte de si para trás.
Eles nunca mais se viram. Ele seguiu com sua vida assustadoramente tranqüila, pegando todo o dia o mesmo ônibus, para o mesmo lugar, procurando à mesma coisa.
 Sempre lhe disseram que quando a visse, saberia.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Verdade de Lugar Nenhum

Era uma vez um jardim ensolarado, cercado por muros, no meio de Lugar Nenhum.  As pessoas de lá costumavam viver felizes para sempre.
Um dia, dois amigos foram passear perto das fronteiras e encontraram um bichinho estranho preguiçosamente acomodado numa raiz saliente. Era como um ratinho, listrado e gordo, com olhos pretos de fuinha, realmente adorável.
- Eu nunca vi um desses! – exclamou a moça, se abaixando para examinar mais de perto – O que você acha que é?
O rapaz se aproximou também, mas estava concentrado na muralha que separava o jardim do mundo exterior. Pela primeira vez percebeu que havia uma fenda, quase um buraco, de tamanho suficiente para deixar passar um animalzinho.
- Eu acho que veio de fora.
Os dois se entreolharam e nunca mais foram felizes para sempre.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

I've Got a Feeling

Cada músculo do seu corpo doía como se tivesse corrido uma maratona. 
Seus olhos estavam inchados de sono. Tinha uma pilha de coisas para fazer lhe esperando em casa. 
Algumas pessoas queridas estavam com raiva. Algumas coisas estavam saindo erradas.

Andava pela rua seguindo o ritmo de uma música suave que ressoava em sua mente. Não cantava em voz alta porque não tinha energia nem mesmo para isso.

Sorria.
As pessoas que olhavam de longe deviam achar que estava bêbada. 

Não importava se nada mais desse certo a partir de agora. Ela estava dentro de um sonho sobre um sonho que viveu.E nem importava se isso não fizesse sentido.

Ela estava feliz. E só.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

(Des)esperança

Desespero.

O Medo provindo do que é inevitável.
Tentar mudar o imutável, abraçar o infinito, conquistar o inexpugnável.
Confrontar os gigantes de armaduras de aço enquanto munido apenas do que quer que lhe motive.
Conforto, ambição, paixão, glória. Sonho. Salvação.

Tentação.

Ninguém pode ouvir seus gritos. 
Torturando o corpo com o trabalho árduo, sem nenhuma razão aparente.
A cama parece tão confortável, mas a alma teme jamais se levantar uma vez encontrado o descanso.

Razão.

Desviar a atenção da busca pelo fim dessa sufocante falta de sentido.
Criar um sentido. Fingir um sentido.
Procurar algo que lhe aquiete o espírito.
Algo que venha com a certeza de que este tortuoso caminho vai dar exatamente onde se quer chegar.
Que o fim é puro, feliz e verdadeiro. Que vai secar suas lágrimas, cicatrizar suas feridas e preencher o vazio de sua alma.

Medo.

Crescente, sombrio, reprimido, recolhido.
Veja aquela pedra: está escrito que não há nada na outra extremidade.
E justo ela, a mais a absoluta das fontes, está errada.
Precisa estar. Pois senão esta alma seria mais uma jogada ao desespero.
Cada gota de sentido, cada mísera justificativa em que foi estruturada esta alma que vos fala se dissolveria como açúcar na água. 

Salvação.
 
Já não é mais a fé que mantém esta alma na estrada.
É a certeza de que é preciso ter alguma certeza, ainda que seja apenas a certeza de estar sempre a procurá-la.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O Frio

O dia estava cinzento. Pequenos blocos de gelo formavam um tapete irregular sobre o asfalto e a grama em frente às casas. Uma neblina densa e fantasmagórica tomava conta da região. A única coisa que parecia minimamente viva nesta paisagem era aquele homem de casaco cinza, gorro preto e cachecol, que deixara a mercê do frio apenas dois olhos lacrimosos e um nariz avermelhado.
Neste mesmo momento em que sentamos em nossas poltronas defronte as janelas para observá-lo, ele está pensando sobre como, por mais que se cobrisse dos pés a cabeça, o frio parecia nunca ficar de fora. Ele vinha através das gotículas de chuva que penetravam suas roupas de lã. Vinha através do vento que chicoteava a parte exposta do seu rosto. Vinha através da neblina que parecia contaminar o ar que ele respirava, congelar seu coração, se espalhar pelo seu corpo e chegar até a sua alma.
O que ele não percebeu, nem você que está observando, é que ainda mais cruel e inexorável era o frio que vinha dele mesmo e nele se instalava.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Final Alternativo

Chovia. Duas pessoas andavam na rua, seguindo em direções opostas.
Olívia era uma típica boa moça. Responsável e virtuosa, seguia um código de ética inabalável. Tinha tendência a amar cada grão de poeira existente no universo, e era atraída por tudo o que fosse minimamente peculiar. Fascinava-se por coisas simples, surpreendia-se com coisas bobas. Era uma artista, sonhadora, embora nunca esperasse realizar nada; era realista também, e evitava riscos desnecessários. Gostava de planejar e ter tudo sob controle. O sorriso nunca ausente de seu rosto não deixava transparecer a existência dividida, a alma sonhadora no corpo racional.
John era um cara atormentado. Tinha suas prioridades e fazia suas próprias regras a partir delas. Era obsessivo com a verdade, queria saber como tudo e todos estavam ao seu redor. Precisava abrir e fuçar cada átomo de ação e sentimento para ver como funcionava. Via o mundo como ele realmente era, sem máscaras nem maquiagens. As pessoas costumavam dizer que isso tirava toda a graça da vida; ele costumava considerá-las covardes. Mas isso também o fazia solitário, amargurado e desencantado com o mundo.
Naquele dia, eles trocaram um sorriso e continuaram por seus caminhos.
Um mês depois se encontraram no ônibus, e por algum motivo estranho começaram a conversar. Ela jurava que o conhecia de algum lugar, ele alegava que se a tivesse visto antes, certamente lembraria. Descobriram muitos amigos em comum, trocaram contatos, sentiram vontade de se ver mais vezes. E quanto mais se conheciam, mais precisavam se conhecer. E quanto mais se conheciam, mais brigavam. Ele a achava ingênua, ela o achava triste. Ele queria abrir-lhe os olhos para o mundo, ao mesmo tempo em que invejava a felicidade que sua ingenuidade lhe conferia. Ela queria consolá-lo e deixa-lo feliz, mas era constantemente ferida por seu sarcasmo e desilusão.
Depois disso eles se afastaram, se aproximaram, se tornaram amigos relutantes. Se apaixonaram, se afastaram de novo, juraram nunca mais se ver.
Ele a procurou. Ela fugiu. Tentou seguir em frente, descobriu que não podia. Não podia, porque não queria. Cedeu. Ele hesitou. Sabia que a acabaria magoando. Ela insistiu, ele se deixou convencer.
Eles se entregaram: decidiram que precisavam arriscar. No começo era tudo perfeito, mas dois gênios tão incompatíveis não podiam deixar de brigar. Ele tinha medo de se deixar ser feliz. Ela sentia isso, e fazia de tudo para ultrapassar essa barreira. Ele se odiava por não conseguir deixar de recuar.
Ele decidiu dar um tempo. Ela sentiu que era um adeus, e já estava cansada dessas idas e voltas. Resolveu acabar com tudo e seguir em frente.
Ficaria bonito para os efeitos deste texto se eles nunca mais se vissem, sendo obrigados a seguirem com suas vidas e a arranjarem outro jeito de ser feliz. Ficaria bonito e inicialmente era essa minha intenção, mas eles se recusaram a ceder ao destino traçado na mente desiludida desta narradora que vos fala.
Assim, ao se cruzarem novamente na rua algum tempo depois, ela o obrigou a parar. Depois de  cumprimentos vagos e um minuto de silêncio constrangedor, Olívia declarou:
- Senti sua falta.
Ele concordou com a cabeça, constrangido. Ela tentou disfarçar as lágrimas que inundaram seus olhos. Ele as viu, e percebeu que tinha causado tudo o que tentara evitar.
- Eu só estava tentando te proteger.
- Eu só estava tentando te fazer feliz.
- Eu fiz tudo errado.
- Você sempre faz tudo errado.
Seus olhos se encontraram diretamente pela primeira vez desde que tinham terminado. Ela não pode evitar sorrir, percebendo que o que gostava de ver naquele olhar ainda estava lá. Começou a chover. Ele perguntou se ela precisava dividir o guarda chuva, e a chamou para tomar um café.
Eles voltaram aos poucos, depois voltaram de vez, brigaram mais do que nunca e aprenderam a pedir desculpas. Foram se adaptando um ao outro. As discussões foram se tornando menos sérias. Viveram, aprenderam e foram felizes.
A intenção inicial deste texto era que John e Olívia se conformassem e superassem seus problemas. Mas eles se recusaram a se conformar, e decidiram lutar contra as diferenças e a improbabilidade de ficarem juntos. Decidiram lutar pelo que sentiam, e mesmo tendo tudo para dar errado, eles se amavam, e só dessa vez, só nesse texto, isso era tudo o que importava.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Bla Bla Bla

Há uns dois anos eu comecei a escrever em um blog. Foi assim, sem saber direito que rumo ia tomar. Eu apenas queria escrever. Dessa forma, meu antigo blog nunca adquiriu uma característica própria. Os textos mais humorísticos sobre coisas do dia a dia ficaram alternados entre contos dramáticos e sombrios, e uns textos mais elaborados e reflexivos. E isso, ao meu ver, atrapalhava o tom do blog.
Foi assim que resolvi excluir o Describing Colors e criei o O-Bla-Di-O-Bla-Da, que é onde eu falo sobre o cotidiano, e alguns meses depois criei este aqui. Foi mais demorado por uma questão de nomes. Queria manter o tema Beatles, mas não encontrava nada que não tivesse sido usado antes.  Look At All The Lonely People veio da música Eleanor Rigby, e foi escolhido porque a maioria desses meus textos são inspirados em pessoas que observo no ônibus.  Se é um bom nome ou não, minha modéstia me impede de opinar (na verdade, é perfeito).  Mas vamos parar de falar de nomes e partir para assuntos práticos.
Pretendo repostar aqui alguns dos meus antigos textos, os meus preferidos, devidamente editados. E óbvio que terão novos textos. A frequência de postagem varia totalmente com meu humor, inspiração e semana de provas. Há épocas em que fico com formigas nos dedos e coloco um texto por dia, e há épocas em que fico um mês inteiro, e nos casos graves, meses inteiros sem postar. Isso me fez perder muitos dos meus leitores antigos, eu sei, mas espero que consiga reconquistá-los algum dia.
E por último, eu tenho que pedir: por favor, não reparem a bagunça. Desculpem o layout sem graça e padronizado. Prometo que um dia arrumo, mas estou sinceramente sem tempo (e já não tenho muitas habilidades nessa área), e não via a hora de começar com o blog.
E isso é tudo, pessoal.